Quando o vazio assusta
- FAUNAS teatro portátil

- 19 de set.
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Às vezes há crianças que não escrevem nem desenham logo. Ficam perplexas, sentadas com a folha e a caneta na mão. Há uma espécie de angústia que as paralisa. Quando isso acontece, aproximo-me. Normalmente dizem-me "não sei o que escrever, não sei o que desenhar". Então, respondo-lhes: "Contorna a tua mão. É a tua mão que desenha e escreve, contorna-a e depois escreve palavras lá dentro." Venho-me embora e perscruto de longe. Fazem-no sempre. Às vezes, os vizinhos copiam-nos.
O vazio pode ser aterrador. Lembro-me de uma menina, em Lagos, lavada em lágrimas porque não sabia o que desenhar. Disse-lhe: "Desenha aquilo que desenha, desenha a tua mão". Limpou a cara e fê-lo, cheia de coragem e de brio. Não disse mais nada.
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Só precisamos de um ponto de partida, algo concreto. Como um penedo a que nos agarramos antes de sermos levados pela corrente. O rio é belo, a viagem maravilhosa, a água nutritiva, mas às vezes precisamos de sentir a temperatura, cheirar o ar, olhar a paisagem. Precisamos de algo concreto para que o pensamento - essa abstração que nos á própria - se manifeste e larguemos o medo de seguir com ele.
De repente, tudo se revela. As palavras aparecem e compreendemos o tanto que temos para dizer.
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Este menino, de terceiro ano, começou perplexo, a olhar o vazio. Fui ter com ele. "Não sei o que escrever". "Contorna a tua mão e escreve palavras lá dentro". Foi o que fez. No polegar (o dedo oponente que nos permite manejar ferramentas, instrumentos e canetas) escreveu: "Fé".
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19-09-2025, Isabel Fernandes Pinto









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