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  • Foto do escritorFAUNAS teatro portátil

Aprender – apenas umas notas


Talvez ensinar venha de um profundo desejo de conhecer o outro. Como mãe, mas também como professora, formadora ou facilitadora, ao longo da vida, aprendi isto: ensinar implica prover lugar ao outro. Para nós provermos esse lugar, escavarmos esse espaço vazio entre as coisas que queremos ensinar, precisamos de um martelo pneumático potente: o nosso desejo de compreender o outro (há quem lhe chame amor). Perceber esse outro organismo consciente e pensante, que é diferente de nós e irremediavelmente único é uma viagem muitas vezes longa e difícil; nem sempre possível, por razões que se prendem com as opacidades do outro e com as nossas próprias opacidades. Às vezes, não nos apetece descobrir aquele outro. Não faz mal, há outros momentos, há outros caminhos ainda não conhecidos. Mas voltemos à questão: Como escavar espaço para o outro? Dando um passo atrás, acenando com as matérias de aprendizagem, abrindo caminhos até elas, possibilitando que esse outro escolha os instrumentos de construção do seu caminho, da sua aprendizagem. Mas como é que isso se faz? Creio que com algumas ações simples:

1.       Escutar a outra pessoa. Todos nós precisamos de ser escutados. Mesmo quando inventamos narrativas para cobrir as nossas verdades (o que não corresponde necessariamente a mentir, podem ser traduções difíceis de línguas que se nos apresentam indecifráveis), nós precisamos de espaço para as dizer e para nos escutarmos dizendo-as. Nem sempre interessa o teor – a lógica do discurso – talvez interesse mais a relação que se inicia nesse espaço.

2.       Fornecer-lhe informações simples. Uma das coisas que mais me diverte num aluno é observar o espanto dele quando “cai a ficha”. É maravilhoso, esse momento de epifania em que aquele a quem estamos a tentar transmitir um conhecimento, de repente, o compreende claramente. Encontramos uma plataforma comum, estamos a jogar a mesma brincadeira. É como se nos encontrássemos numa praça e só nós dois conhecêssemos a cidade. De repente – nós, os ensinantes – não estamos sozinhos.

3.       Apontar-lhe diversas possibilidades. É bom o encontro, mas temos que o deixar ir. O aprendente tem o seu caminho e a função de quem ensina é desamparar-lhe a praça, deixá-lo descobrir as ruas convergentes. Afastamo-nos um pouco e observamos como, trilhando as ruas e vielas, ele vai construindo a sua cidade.

4.       Validar as suas dúvidas. “Estou num beco sem saída, isto não vai dar a nada”. “Parece-me que sim. Mas porquê? Onde é que te enganaste? Tenta fazer o caminho ao contrário…” Voltamos à praça, voltamos a apontar caminhos. A cidade dele vai-se adensando.

5.       Escutarmos as nossas próprias dúvidas e, na nossa cidade – que é outra, não a cidade do aluno – fazermos os nossos percursos de aprendizagem. Há uns tempos um professor de engenharia disse-me uma coisa maravilhosa: “Eu ensinava aquela matéria, os alunos entendiam bem, ficavam esclarecidos, eu é que não compreendia. Havia uma coisa naquela matéria que não me fazia sentido”. Esse professor escreveu um livro sobre essa matéria. Não se trata de assumir que nos enganamos quando estamos a ensinar (quantas vezes! E lembro-me bem da admiração e do respeito que senti por um professor quando ele me disse: “Estava enganado sobre o que lhe disse a semana passada, fui ver e a senhora tinha razão”), trata-se mesmo de não largar o espanto, a sede de conhecimento, até à última gota. As insónias a escrever sobre o que não nos faz sentido embora os outros compreendam são a tradução física da nossa vontade de escavar mais fundo. As cidades também têm túneis.

6.       Voltar a escutá-lo, darmo-nos a escutar, observá-lo de longe, de perto, de lado e de frente, procurar entender a sua cidade. Enfim, aprendermos nós também.

Não me levem a mal, esta é uma receita provisória e falível, apenas uma tentativa de falar sobre algo que mais não é do que estarmos juntos no tempo e no espaço: encontrando-nos, ligando por instantes os nossos mundos e dando passagem ao que outros descobriram, disseram, construíram. Mas para que é que fazemos isso? Para estarmos juntos e construirmos sentidos, para não nos perdermos, sozinhos e desamparados, no caos indecifrável.

 

Na imagem: exercício em aula de expressão dramática com alunos de licenciatura de educação básica, ESE-PP, 2022.

 

27/agosto/2024,

Isabel Fernandes Pinto


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